quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Nossa Estoria

Hiperlexia e uma sindrome na qual a crianca aprende a identificar letras e numeros muito cedo (antes dos 5 anos), acompanhada de deficiencias no entendimento e producao de linguagem, e dificuldades de socializacao. Esta condicao esta associada ao autismo, e muitos consideram a hiperlexia como um sintoma de autismo. Outros especialistas consideram-na como um disturbio de linguagem com sintomas autistas. Eu nao sou uma especialista, mas em minhas observacoes de 3 criancas hiperlexicas, cheguei a conclusao de que existem criancas hiperlexicas com sintomas autistas que depois de uma certa idade passam a ter desenvolvimento normal, e criancas hiperlexicas que seguirao sendo autistas durante sua vida adulta. Quero frisar que os hiperlexicos tem habilidades geniais, uma capacidade incrivel de decifrar padroes e uma memoria visual incrivel. Mas hiperlexia nao e super-dotacao, pois vem acompanhada de dificuldades serias. Por isso, e importante que pais e educadores nao se deixem levar pela parte maravilhosa dessa sindrome e se esquecam de tratar as dificuldades de linguagem e socializacao que essas criancas enfrentam. Temos que nos lembrar que ninguem e funcional em sociedade sem conseguir se comunicar e entender o que se passa ao redor. Por outro lado, devemos nos utilizar desta habilildade para ajudar nossas criancas a se desenvolverem.

Minha filha Gabrielle de 3 anos e meio e hiperlexica. Desde o inicio seu desenvolvimento foi atipico. Minha intuicao de mae percebeu que havia algo de diferente com ela desde os 2-3 meses, quando toda mae espera ansiosamente pelo primeiro sorriso social de seu bebe. Demorou, mas finalmente aos 4 meses, ela comecou a sorrir. Nao demorou muito, e percebi que ela ja estava com 6-7 meses, e ainda nao rolava em nenhuma direcao. Novas preocupacoes... Finalmente, aos 8 meses ela comecou a rolar, mas nao engatinhava. Ate que completou 1 ano, e comecou a andar sem nunca ter engatinhado e sem ainda conseguir se levantar sozinha.

Gabrielle vivia em seu proprio “mundo”. Passava horas brincando sozinha, e tinha um interesse anormal por livros. Fora isso, ela nao olhava com interesse para outras pessoas, principalmente criancas. Em passeios pela vizinhanca, cada vez que eu parava para conversar com um vizinho, ela abaixava a coberta do carrinho para nao ter que interagir com os outros. Quando saiamos para passear a pe, ela parava em frente aos carros estacionados na rua, e so continuava a andar depois que alguem lesse as letras e numeros das placas para ela. Apesar de ter estudado psicologia e de saber que havia algo de errado em seu comportamento, eu nao sabia exatamente o que era. Alternava periodos em que me preocupava com seu desenvolvimento com outros em que me convencia que as diferencas eram simplesmente devido a sua personalidade “intelectualizada”. Fora que meu marido era absolutamente cego quanto as diferencas de nossa filha, e me dizia que eu era preocupada demais, vendo problemas aonde nao havia nenhum.

Ate que Gabrielle completou 13 meses e ainda nao falava nenhuma palavra. Com a ajuda de meu irmao que e medico e tem 2 filhos que tiveram desenvolvimento tipico, levei-a para ver uma pediatra especialista em desenvolvimento infantil. Foi a pior experiencia que ja tive em minha vida. Aquela especialista tao renomada me disse que minha filha era levemente retardada, e me mandou fazer um exame de DNA completo para ver se ela tinha Sindrome de Williams, Sindrome de Down parcial (que eu nem sabia que existia!!), e todas as sindromes possiveis de serem geneticamente identificadas. Os exames voltaram negativos, e a partir dai passamos por uma maratona de especialistas e avaliacoes psicologicas/neurologicas, que mostravam leves atrasos, mas nada significativo.

Durante esses meses de avaliacoes, Gabrielle comecou a desenvolver sua linguagem, mas sem intencao comunicativa. Ou seja, ela comecou a falar palavras descritivas como “flor”, “agua”, “cachorro”, etc, mas para ela mesma; ela nao compartilhava o momento com outros atraves de um olhar, um sorriso ou simplesmente apontar com o dedo. Alem disso, aos 15 meses Gabrielle ja reconhecia as letras do alfabeto, lia algumas palavras, e em pouco tempo ja sabia reconhecer os numero ate 20 e todas as formas e cores. E eu pensei: “Minha filha e uma genia! Por isso ela e diferente”. E eu relaxei de minhas preocupacoes, apesar de os sintomas persistirem. Gabrielle continuava aversa a contatos sociais, com pouco contato olho-a-olho, e apesar de ter um vocabulario de mais ou menos 50 palavras, ainda nao falava “mamae” , “papai”, nem “sim” ou “nao”. Alem disso, parecia nao entender o que eu falava, e frequentemente nao respondia quando chamava seu nome, nao parecendo me ouvir. As vezes pensava que ela era surda, pois simples perguntas como: “Voce quer comer?”, “Aonde esta a mamae?” ou instrucoes como “Toque seu nariz” (apesar dela saber o que era nariz), nao elicitavam nenhuma resposta. Mas, como ela estava lendo, atribui todos seus problemas a sua genialidade...

Passaram-se 6 mesmes desde sua ultima avaliacao, e Gabrielle fez 2 anos. Nesta epoca ela estava com novos comportamentos diferentes: tinha medo de sons altos e repentinos, quando ficava frustrada se jogava no chao e rolava/chutava o ar, e quando se machucava ficava com tanta raiva que continuava se batendo aonde tinha se machucado ate que alguem a fizesse parar. Sua linguagem continuava se desenvolvendo, mas atraves de "ecolalia", ou seja, ela simplesmente repetia o que ouvia, sem necessariamente entender o que aquilo queria dizer.

Fizemos uma festa de aniversario em casa, e tivemos mais ou menos umas 20 criancas. Durante toda a festa minha filha se escondeu das outras criancas como sempre fazia, mas como naquele dia ela era o centro das atencoes, as pessoas comecaram a reparar e a falar. Algumas semanas depois uma amiga proxima veio me contar que Gabrielle era o assunto do momento em nosso grupo de amigos, comentando-se que ela era autista. Aquilo doeu. Nao so a fofoca, ou que a possibilidade deste diagnostico fosse nada de novo para mim, mas pela realizacao de que aquilo provavelmente era realidade.

Voltamos as avaliacoes. Desta vez nao esperei por diagnostico, e a coloquei para fazer fonoaudiologia e terapia ocupacional. Em paralelo a isso, conseguimos uma vaga numa escola associada a universidade, que fazia pesquisa sobre os melhores metodos educacionais para o autismo. E apesar de Gabrielle so poder frequentar a escola por 6 meses, esta foi nossa grande virada. A escola tinha 4 criancas “autistas” e 8 criancas “tipicas”, que serviam de modelo social. As professoras eram treinadas em “extrair” linguagem comunicativa das criancas, usando “sign language” e outros metodos terapeuticos (floor-time, pivotal response training, etc). Haviam muitos componentes sensoriais na classes, baseados nos principios de terapia ocupacional. Uma vez por semana os pais tinham treinamento em casa em como ajudar seus filhos a se comunicarem. Basicamente, foram 6 meses de tratamento intensivo focado principalmente em fazer a crianca se comunicar e se socializar. Alem disso, eu passei a ler tudo o que podia sobre autismo e hiperlexia para poder entender e ajudar minha filha. Clique aqui para ver algumas sugestoes de atividades para criancas hiperlexicas.

A medida que a linguagem de Gabrielle comecou a se expandir, ela comecou a florescer. Ela passou a entender melhor o que se passava ao redor, e passou a poder exprimir melhor suas necessidades e emocoes. Com o melhor entendimento do seu ambiente, ela comecou a ter mais interesse em interacoes sociais, e comecou a procurar a companhia de outras criancas e imita-las. Gabrielle ainda nao interagia diretamente com os outros, mas pelo menos ja se interessava por eles.

Ao completar 3 anos minha filha se graduou desta escola, pois esta e a idade limite do programa. Passaram-se 3 meses ate ela poder comecar outra escola, desta vez uma pre-escola comum. Gabrielle agora nao recebe nenhum servico terapeutico, e esta fazendo progressos inimaginaveis por conta propria. Ela agora nao se cansa de brincar com outras criancas, tem interesse em se comunicar com os outros e consegue exprimir muito do que se passa em sua mente.

A linguagem de Gabrielle ainda e deficiente para sua idade. Ela tem uma dificuldade especial com os pronomes (eu, voce, etc), ainda nao entende o conceito de pergunta, etc. Mas, ela consegue me contar o que fez na escola, me diz quando esta doente, quando esta com fome ou frio, o que quer comer ou beber, o que quer fazer, etc. Como agora pode falar, nao necessita mais se jogar no chao, ou ter crises de histeria.

O motivo que me levou a escrever minha historia com Gabrielle e para dar esperanca a pais de criancas hiperlexicas. Antes dos 3 anos, o cerebro da crianca e muito plastico, o que permite que as intervencoes terapeuticas feitas durante esse periodo tenham um efeito exponencial. Mesmo que o prognostico nao seja bom, nunca desista de fazer seu filho progredir. Eu nunca imaginei que Gabrielle pudesse um dia se tornar uma crianca “normal”, mas isto finalmente esta acontecendo. De um diagnostico inicial de autismo, Gabrielle passou a chamar atencao por sua simpatia e sua interacao com os outros. Lembre-se de que existem criancas autistas com caracteristicas hiperlexicas, mas que nem todas as criancas hiperlexicas sao autistas.

9 comentários:

  1. Anna seu blog sobre hiperlexia eh fantastico! Estou passando pela mesma situacao, identico a da Gabrielle, o nome do meu filho eh Luka, hj ele tem 4 anos e 3 meses, nao moro no Brasil, hj temos tb o bilinguismo q nao sei ao certo se eh bom ou ruim, estou a base de holisticos, dieta (sem caseina e acucar) e t.o, fonodiologa e psicologa, fiquei extremamente feliz sobre o positivismo do seu relato e estamos um pouco mais de 2 anos com as terapias q sao feitas em casa, so q infelizmente nao estou muito satisfeita com os trabalhos psicologicos. Sei q tens uma rotina e obrigacoes, mas se nao fosse encomoda-la poderia responder-me por e-mail pois estou indo ao Brasil e derrepente marcamos uma consulta. Muito grata! Meu e-mail eh kellycamposkalebic@gmail.com

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  4. Oi Anna estou passando por algo parecido.Notei algo diferente no meu filho com um ano.Antes ele era uma criança com desenvolvimento totalmente normal,diferente da sua filha que ja demonstrava algum atraso.Com um ano ele nao falava nada e tambem nao utilizava a linguagem nao-verbal,era disperso e parecia se interessar mais por imagens do que por pessoas.Nao atendia a nenhum comando simples.Falei com a pediatra e imediatamente comecei com tratamento psicopedagogico e fonoaudiologico.logo depois começou a identificar numeros,letras,cores.Levei aos dois anos numa neuro especialista em diagnostico precoce que disse pra continuarmos comos estimulos e que ele nao tinha autismo,mas que ainda nao dava pra ter certeza do que era realmente.Com dois anos e tres meses começou a apontar,falar papai e mamae e varias palavras.Hj aos tres anos e dois meses ,fala pra se comunicar,pede as coisas,mas geralmente com palavras chave ou frases curtas de verbo e substantivo.Aparenta entender tudo que falamos,mas tem muita dificuldade para se expressar.Ele sabe todo o alfabeto em ingles e portugues,numeros com dezenas,numeros em ingles ate 10,decora tudo que ve:marcas de carro,nomes de lojas,programas de tv,etc...Ele ainda nao le,mas como seu irmao mais velho era hiperlexico e tambem tinha esse fascinio por letras e numeros,acho que antes de cinco estara lendo.Achei esses dias um artigo sobre os tipos de hiperlexia e vi que nem todo hiperlexico tem autismo e quase chorei,pois acho que é isso que meu filho tem.Agora com tres anos voltou a neuro e ela disse que ele tem caracteristicas de varias coisas e que so o futuro ira dizer:tdah,disturbio de linguagem,transtorno global sem outra especificaçao(seriam criancas que tem algumas poucas caracteristicas de autismo ,mas que nao fecham diagnostico).Sofro muito com isso...Gostaria de alguem que pudesse me dizer se pode ser hiperlexia...ficaria mais tranquila.Se alguem quiser trocar ideias,meu emaill e marcia.b.rangel@hotmail.com

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  7. Olá Boa tarde. Meu filho apresenta os mesmos sintomas da sua filha. Foi diagnosticado por uma psicopedagoga com autismo. Ninguém comentou comigo que autismo e hiperlexia podem vir separados. Sempre disseram que ambos caminham juntos. Pode me escrever?
    vivianmedvet@yahoo.com.br

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  8. Olá Anna,

    Seu relato vai de encontro com o que vejo emm meu filho, diagnosticado com autismo moderado. Estou tentando "provar" que ele é hiperlexico mas sem saber o que fazer.
    Pode me escrever? elainecbrl@gmail.com
    Obrigada

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